A Dama da Corte
Com a marca do destino cresce uma corte diferente,
Desprezada pelos fidalgos, quem tem olho faz-se rei.
Nas memórias está lembrada, não pela graça ou faculdade,
Mas pelas intempéries agrestes e pelas intrigas da grei.
E os servos proscritos, sempre com uma imensa saudade,
Atenuam toda a dor com a canção da liberdade!
Quem sabe … triste destino se esgote!
E um dia, novo Rei, de berços de ouro esquecidos,
Em medida imediata, ordene que se publiquem
Autos de Nobres Amores, finalmente consentidos.
E que no Inverno mais duro, o calor de uma fogueira,
Distribua as razões e acalente os corações
E que num grande terreiro, toda a corte se anime,
Para que dos Cavaleiros o triste desterro termine!
Em terras longínquas perdidas da corte, vivem nobres fidalgos na labuta do crescimento dos haveres, para que filhos, netos e restantes gerações não lhes esqueçam nem desprezem o glorioso nome e título dado por sua Alteza Real ou por sua Santidade o Papa, a maior parte dos quais obtidos através de generosas ofertas pecuniárias ou de serviços menos dignos, mas importantes para as causas do reino e da fé, que deixavam suas Altezas ou Santidades infinitamente gratos.
Porque com o correr dos tempos, ser-se fidalgo, deixou de ser apenas um título nobiliárquico e passou a estar conotado, principalmente, com instrução e habilidade política, corriam as gerações mais novas para as Universidades portuguesas ou estrangeiras e também os progenitores, para evitar um sentimento de solidão e degredo, fogem para as cidades, vivendo do estatuto e rendimento nessas filiais do poder central, deixando que a rentabilização dos bens fosse feita pelos quinteiros, humildes, respeitosos e imaculados servidores, só regressando de tempos a tempos ao lar familiar, para velar do bom sucesso das colheitas ou da manutenção correcta das casas, terras e restantes haveres.
A paz e o respeito pela hierarquia social pareciam ser prova de uma boa governação, pois o povo é e será sempre povo, incapaz de assumir chefias pois para tal não tem preparo e mesmo que, de algum nível académico se habilite, não tem berço que lhe dê a capacidade e o estatuto para se envolver nos meandros da política e do poder, nem para solucionar as urgências da populaça sem defraudar os cofres do estado, e assim, sem amor nem temor, mantém a nobreza a distância necessária da plebe, evitando a contaminação com a debilidade pacóvia.
E tranquilos de qualquer ameaça ao seu reinado, procuram os devaneios da mente e do corpo, exercitando os homens a intriga política e as mulheres a intriga social, enfeitando-se cada vez mais como meros fantoches e objectos decorativos. Tanta camuflagem não conseguiu dissimular as faltas de carácter e tanto título pomposo tornou-se apenas um jogo de oportunismos e dúbias intenções.
Mas no meio de tudo isto não há regra sem excepção e fica sempre alguém que detendo o poder, porque é nobre por nascimento, dele não faz proveito. Usa-o para elaborar processos evolutivos, para celebrar a glória da existência e para envolver cada vez mais gente na guerra do trabalho, da abolição de preconceitos e da igualdade de oportunidades. Quando a capacidade, virtudes e frontalidade se opõem à incapacidade, a admiração dá lugar ao rancor e à negação e quando a superioridade se efectiva surge o medo e a precisão de afrontamento. Assim, da certeza da inutilidade nasce a vontade do confronto e do linchamento público. Não sendo capazes de uma acção directa para que no combate leal vença o melhor, ficam à espera de algum rabo de palha do seu par que o proporcione e a única saída encontrada é através da trama anónima, desprovida de uma assinatura mas impregnada de cunho pessoal maléfico, traiçoeiro e bilioso, tal dama que sem rainha ser, se viciou na cama do rei.
Que esta forma de in-relação desapareça da face da Terra.
Que as invejas e os ódios resultantes de ambições e vaidades se esbatam até à transparência.
Que a podridão desapareça das mentes para que os corpos não apodreçam com esta velocidade, corroídos com a acidez das perversões.
Que os preconceitos se abalem.
Que percebam que as críticas e juízos são almejos resultantes da falta de coragem para realizar os desejos e os feitos por outros conseguidos.
Que a Humanidade compreenda que qualquer causa feita com Amor e devoção pode atingir os objectivos com maior eficácia e rapidez do que sendo feitas apenas em proveito próprio.
Que a fidalguia de hoje perceba que está a chegar ao fim o tempo das disputas pelo trono e pelos lugares dos favoritos, pois eles passarão a ser entregues à verdadeira nobreza, aquela cujos títulos estão escondidos nos recantos das mentes e cujos dotes provém do coração.
Bem hajam!
Filipa Barros